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Quando o assunto é imposto de renda, todo mundo quer fugir do leão. O que poucos sabem, entretanto, é que podem destinar parte de seus impostos para incentivar projetos sociais de crianças e adolescentes e projetos de assistência a idosos no Brasil, através de renúncia fiscal.
Os incentivos fiscais ligados a este tipo de projetos são regulamentados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069, de 13 de julho de 1990) e pelo Estatuto do Idoso (Lei 10.741, de 01 de outubro de 2003). Pessoas jurídicas tributadas pelo lucro real podem destinar 1% de seu imposto de renda via FIA – Fundo da Infância e Adolescência e mais 1% via Fundo do Idoso. Pessoas físicas podem destinar até 6%, inclusive realizando a destinação no ato da declaração.
O mecanismo de incentivo é de extrema importância para o financiamento de projetos sociais ligados a essas causas. Instituições sem fins lucrativos são contempladas com os recursos dos fundos e podem realizar ações em seus municípios, beneficiando diretamente um público que, muitas vezes, se encontra em situação de vulnerabilidade social. Projetos educacionais, culturais, esportivos, de geração de trabalho e renda, de assistência à pessoa com deficiência também fazem parte desse mesmo tema, fomentando uma rede de ações ligadas ao interesse público e ao bem comum.
Estamos falando de um potencial de arrecadação de recursos de R$ 186,4 milhões anualmente em Santa Catarina. Importante destacar que este número se refere apenas à destinação de pessoas físicas no ato da declaração do imposto, conforme dados de 2021 do MMFDH – Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. O que efetivamente arrecadamos, entretanto, é um valor muito pequeno, ou seja, apenas 4,4% de nosso potencial, ou R$ 8,2 milhões. Além disso, muitos fundos municipais não funcionam corretamente. Em Santa Catarina, por exemplo, são 215 fundos da infância e adolescência (72,64%) e apenas 36 fundos do idoso (12,16%) em funcionamento e aptos a receber recursos. Ainda temos enormes desafios a serem resolvidos nesse campo de atuação.
Existem duas formas de realizar essas doações: A primeira delas é a doação direta ao fundo. O doador pode destinar sua doação de imposto de renda com abatimento fiscal diretamente para um fundo público à sua escolha, seja ele municipal ou estadual. Nesse caso, quem escolhe o destino dos recursos arrecadados é um Conselho local que administra o fundo. O Conselho faz um mapeamento das demandas locais, estabelece diretrizes e seleciona projetos, que serão contemplados por meio de chamamento público e de acordo com a Lei 13.019, de 31 de julho de 2014. É o Conselho local quem define, organiza, seleciona os projetos e controla a aplicação dos recursos arrecadados. Após realizar a doação direta aos fundos, o doador não tem mais acesso a informações sobre a destinação dos recursos, os projetos contemplados e os impactos gerados a partir de sua doação.
A segunda forma, amplamente aceita pelos doadores, é a escolha direta dos projetos que pretendem apoiar. A doação continua sendo feita diretamente para o fundo público, mas nesse caso, o doador indica formalmente o projeto que deseja destinar sua doação e o Conselho local repassa o recurso diretamente ao projeto escolhido. Essa modalidade é regulamentada pelos Conselhos e conhecida como “chancela” ou “doação casada”. Os projetos são selecionados previamente via chamamento público (Lei 13.019, de 31 de julho de 2014) e a possibilidade de chancela é publicada em Diário Oficial, garantindo segurança jurídica para a captação de recursos. O doador, neste caso, consegue acompanhar a execução do projeto diretamente com a Instituição apoiada, assim como os impactos gerados e resultados alcançados, o que o motiva a recorrer em suas doações, incentivando cada vez mais projetos sociais.
Até pouco tempo atrás, a chancela era regulamentada e funcionava em todo o Brasil. Infelizmente, por uma decisão recente do STJ – Superior Tribunal de Justiça, foram anulados os artigos 12 e 13 da Resolução 137 do CONANDA, de 21 de janeiro de 2010, que disciplinava essa questão. Conforme entendimento do STJ, esta possibilidade deveria ser regulamentada por uma lei, e não por meio de uma resolução. Deste modo, não é mais possível escolher o destino das doações aos fundos, o que anula também a intenção de muitos doadores em contribuir.
A decisão do STJ sobre os Fundos da Infância e Adolescência não afeta diretamente os fundos do idoso, mas pensamos que indiretamente irá afetar, pois a chancela de projetos desses fundos também está estruturada a partir de resoluções – e não de uma lei, à exemplo do que ocorreu com o FIA. Torna-se instável e sem segurança jurídica o processo de escolher a destinação das doações aos fundos a partir da decisão proferida pelo STJ.
Com esta mudança, restou apenas a possibilidade de doação direta aos fundos, sem poder escolher os projetos e o destino das doações.
Para muitos doadores, é uma modalidade de doação que não faz sentido, pois, se não puder escolher a destinação dos recursos, não faz nenhuma diferença em simplesmente pagar o imposto de renda ao Governo Federal.
Em especial para as empresas que realizam Investimento Social Privado, a nulidade da chancela significa a perda de controle sobre o impacto social que gostariam de gerar em suas comunidades. Não poderão mais selecionar projetos por meio de seus editais privados, nem realizar programas próprios com esse tema. Apesar de compreenderem que continua sendo importante a doação aos fundos, muitas empresas podem decidir não mais realizar essas doações, optando apenas pela utilização de incentivos fiscais que permitem a escolha dos projetos e a possibilidade de acompanhar a aplicação dos recursos doados. Sem a chancela regulamentada para os fundos, as empresas incentivadoras não terão mais contrapartidas nos projetos, nem mesmo poderão estabelecer parcerias e relacionamento com as Instituições Sociais decorrentes dessas doações.
Rompe-se uma relação importante entre o doador e a Instituição que realiza o projeto social.
Para as Instituições Sociais, os fundos passam a ser uma fonte de recursos eventual e incerta, que dependerá da arrecadação e do funcionamento de seus Conselhos locais. Pequenos municípios terão enorme dificuldade de atrair recursos, limitando-se a seu potencial de arrecadação local. Além disso, não há outra fonte de recursos que possa substituir o FIA ou o Fundo do Idoso. Para muitos projetos, a nulidade da chancela pode significar o seu fim.
É bem possível que a arrecadação dos fundos diminua com o passar dos anos, especialmente proveniente de empresas incentivadoras. É um caminho possível – e lamentável – o enfraquecimento desta política pública, tão importante para seus beneficiários finais – crianças, adolescentes e idosos que se encontram em situação de vulnerabilidade social no Brasil.
Felizmente, para que não se perca a esperança, há um Projeto de Lei atualmente em tramitação na Comissão de Cidadania e Justiça da Câmara de Deputados (PL10433/2018) para que a chancela volte a ser regulamentada no país. Precisamos de apoio de parlamentares para se engajar nesta causa tão importante. É urgente a solução deste problema. O FIA e o Fundo do Idoso merecem ser amplamente divulgados, valorizados e promovidos como ação de interesse público, diretamente relacionada ao financiamento e viabilização de projetos sociais ligados à defesa de direitos fundamentais de crianças, adolescentes e idosos em nosso país.
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